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terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Vida


Este ódio de tudo que é humano, de tudo que é animal e mais ainda de tudo que é matéria, este horror dos sentimentos, este temor da felicidade e da beleza; este desejo de fugir de tudo que é aparência, mudança, dever, esforço, desejo mesmo, tudo isso significa... Vontade de aniquilamento, hostilidades à vida, recusa em se admitir as condições fundamentais da própria vida.
Quem destrói a ilusão em si mesmo e nos outros, a natureza, como o mais rigoroso humano tirano, o castiga. [1]

“Num dos trechos mais significativos sobre a existência, Nietzsche diz:  ” O erro sobre a vida necessário à vida. — Toda crença no valor e dignidade da vida repousa sobre pensamento impuro; só é possível porque a simpatia pela vida e sofrimento universal da humanidade é muito francamente desenvolvida no indivíduo. Mesmo os homens mais raros, que de modo geral pensam além de si mesmos, não captam no olho essa vida universal, mas partes delimitadas dela. Quem sabe dirigir seu olho principalmente a exceções, quero dizer, aos talentos superiores e às almas ricas, quem toma seu surgimento por alvo de todo o desenvolvimento do mundo e se alegra com suas obras, pode então acreditar no valor da vida, porque, com efeito, deixa de ver os outros homens: portanto, pensa impuramente. E, do mesmo modo, quem capta no olho todos os homens, mas só leva em conta neles um gênero de impulsos, os menos egoístas, e os desculpa no tocante aos outros impulsos: pode então, mais uma vez, esperar algo da humanidade em seu todo e nessa medida acreditar no valor da vida: portanto, também nesse caso, por impureza de pensamento. Mas quem procede de um modo ou do outro é sempre, ao proceder assim, uma exceção entre os homens. Ora, precisamente a maioria dos homens suporta a vida sem resmungar demais, e com isso acreditam no valor da existência, mas precisamente porque cada qual só quer e afirma a si mesmo, e não saem de si como aquelas exceções: todo extrapessoal, para eles, ou não é perceptível ou o é, no máximo como uma fraca sombra. Portanto, somente nisto repousa o valor da vida para o homem comum, cotidiano: ele se dá mais importância do que ao mundo. A grande falta de fantasia de que sofre faz com que não possa sentir-se dentro de outros seres e, por isso, ele toma parte o menos possível em seu destino e sofrimento. Quem, ao contrário, pudesse efetivamente tomar parte neles haveria de desesperar do valor da vida; se conseguisse captar em si a consciência total da humanidade e senti-la, ele sucumbiria, amaldiçoando a existência — pois a humanidade no todo não tem nenhum alvo e, conseqüentemente, o homem, ao considerar o decurso inteiro, não pode encontrar nele seu consolo e trégua, mas seu desespero. Se vê em tudo o que faz a falta de finalidade última do homem, seu próprio agir adquire a seus olhos o caráter do esbanjamento. Mas sentir-se, como humanidade (e não somente como indivíduo), tão esbanjado como vemos a florescência isolada ser esbanjada pela natureza, é um sentimento acima de todos os sentimentos. — Mas quem é capaz dele? Certamente apenas um poeta: e poetas sabem sempre consolar-se. [2]

[1] Coleção – Os pensadores. Nietzsche.1983, p. 58. Victor Civita.
[2] Nietzsche. Humano, demasiado humano. 1878, primeiro volume, capítulo I, p.33. Companhia das Letras.